"Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me (Mateus 16:24)
Já escutei testemunhos de pessoas felizes declararem que depois que aceitaram a Jesus como salvador, a vida mudou (e muda mesmo) e conquistaram muitas coisas materiais (não tenho nada contra isso). Também já me deparei com pessoas que se diziam evangélicas, mas que faziam coisas reprovadas pelos ímpios (esse é um grande problema pra nós cristãos). Bem, o evangelho pregado e testemunhado em muitos lugares está sintetizado e focalizado somente no “ter” e no “ganhar” (é essa parte que não concordo); está desconectado do “ser” e desprovido das essências mais rudimentares do cristianismo verdadeiro. Uma falta absurda é a ausência do sentido da “cruz” na pregação e vida cristã.Infelizmente, para a maioria a cruz é um fato histórico dos Evangelhos, distante de nós cronológica e culturalmente – só que não é isso: cruz faz parte de nossa história e trajetória, além de fortalecer nossas esperanças de redenção diante de um mundo em crise.
“Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me (Mateus 16:24)
O texto de 1 Coríntios 1:18-31 é um texto bíblico clássico sobre a essência da pregação e da mensagem evangélica, isto porque retrata sacrifício, cruz, perdão, graça e testemunho – temas essenciais e presentes em nossas abordagens evangelísticas e expressões litúrgicas. O teor bíblico citado, além de mostrar implicitamente o valor do sacrifício de Cristo, manifesta seu sentido objetivo; além de chocar-se frontalmente com um tipo de cosmovisão “judaico-gentílica”. Esse “choque” de compreensão no texto se dá por meio da utilização da figura do pior instrumento de pena e condenação gentílica – a cruz!
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gálatas 3:13)
A crucificação era um método romano de execução, primeiramente reservado a escravos. Neste ato se combinavam os elementos de vergonha e tortura, e por isso este processo de justiçar os réus era olhado com o mais profundo horror. Para o judeu a cruz era humilhação, para o grego um escândalo e no contexto da pregação do genuíno evangelho – a cruz é loucura para os que perecem. Na cosmovisão judaica, Jesus não reuniu as credenciais do Messias pois com sua condição social humilde, seus ensinos e pregações de um reino vindouro que tinha no presente seguidores marginalizados pela sociedade – era o retrato contrário da escatológica rabínica. Do outro lado havia osgregos (gentios) que forneceram as bases para o direito romano; e por conta disso – acreditavam que se Jesus morreu numa cruz, ele realmente mereceu.
“Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus” (1 Coríntios 1:18)
A cruz em relação ao sacrifício vicário de Cristo quebrou a lógica da teologia judaica e demoliu a filosofia da justiça dos gregos. A figura de Cristo na cruz desestabilizou o conceito de poder e glória da esperança israelita e fez ruir a lógica do conhecimento e da sabedoria dos direitos legais dos principais pensadores helenos. Essas concepções da crucificação de Cristo formularam uma espécie de cosmovisão “judaico-gentílica” que por meios diferentes concordavam: “a pregação de uma mensagem de salvação por meio de um salvador crucificado – é uma loucura; e mais louco ainda são os expoentes dessa mensagem descabida”. De fato não há como compreender tal mensagem senão pela fé e através da revelação especial, a bíblia sagrada.
“Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana, agradou a Deus salvar aqueles que crêem por meio da loucura da pregação” (1 Coríntios 1:21)
Na experiência cristã a figura da cruz, tem sentido vicário, pessoal e testemunhal.
Sentido vicário porque a morte de Cristo na cruz foi substituta – ele realmente morreu por mim e por você; sem Cristo consumando sua entrega por meio cruz não seríamos perdoados – não teríamos acesso à Deus e a vida eterna. Sentido pessoal porque a vida cristã exige sacrifícios pessoais (não para obter a salvação), mas para renunciar vontades, desejos, sentimentos e posições; isso para marcar nossa vida com evangelho, abrindo mão de nosso eu (egocentrismo) para dar lugar à Cristo em nós. Ainda ressalto o sentido testemunhal porque simbolicamente carregamos uma cruz; porque também somos crucificados por conta do evangelho que pregamos.
“Nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios
1 Coríntios 1:23”
Estamos diante dos mesmos impasses e enfrentamentos das cosmovisões “judaico-gentílica” e cristã. Só que agora o ambiente não é o da sinagoga judia ou da praça grega – o ambiente é cristão! Sim, essas exposições divergentes e conflitantes são apresentadas em inúmeros púlpitos e reuniões religiosas. No século XXI, a pregação da morte de Cristo pelos pecadores está em baixa; a exposição acerca das exigências do modo de vida do crente diante do mundo – também não agrada a maioria. Em suma, atravessamos dias em que grande parte dos sermões e ensinamentos estão ocos da “mensagem da cruz”.
“E nós somos testemunhas de todas as coisas que fez, tanto na terra da Judéia como em Jerusalém; ao qual mataram, pendurando-o num madeiro” (Atos 10:39)
Muitas mensagens são dirigidas ao sujeito como figura central de um plano humanista e não bíblico; e prefiro acreditar tais pregadores e mestres fazem isso sem querer, mas por suas exposições inflam o ego do indivíduo que acaba se achando melhor que os outros – que acredita que têm bênçãos exclusivas de Deus pra sua vida e pronto. As polaridades da cosmovisão “judaico-gentílica” estão explicitas em nossos dias – uns buscam poder – outros sabedoria, mas acabam por desconhecer a verdadeira essência do evangelho, que têm sido loucura para muitos que se dizem cristãos.